quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Passarinhos do Cerrado, etimologicamente falando


Passeiformes é uma ordem da classe das aves, também conhecidas como passarinhos.
Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, abrigando 33% da biodiversidade nacional - plan
tas, insetos, mamíferos de pequeno e médio porte, e inclusive eles, os passarinhos.


Já os Passarinhos do Cerrado são um grupo de música regional brasileira formado na cidade de Goiânia, capital do estado de Goiás. Embora Goiânia não seja uma cidade muito conhecida, ou mesmo devidamente apreciada, os Passarinhos do Cerrado, pelo contrário, são. Se apresentam em diversos festivais de música pelo Brasil e participaram, inclusive, do 17˚ Festival Mundial de Jovens e Estudantes na África do Sul.


Nádia Junqueira, Contra mestre Iúna, Rodrigo Kaverna, Bruna Junqueira,
Cléber Carvalho e Mári Peixoto na calçada do centro histórico da antiga
Cidade de Goiás. Com vocês, os Passarinhos do Cerrado!




Fotos de uma apresentação do grupo no XI Encontro de Culturas Tradicionais da
Chapada dos Veadeiros. O encontro acontece anualmente, trazendo grupos
representantes de diversas regiões e mesmo de outros países.



* * *











Bom, enquanto alguns cantam sobre passarinho...


... os Passarinhos do Cerrado cantam sobre uma infinidade de coisas, que vão desde lembranças sobre antigas poetisas das terras goianas


"na antiga Vila Boa, ei é de Cora

reduto de grande artista, ei é de Cora

que faz verso, poesia, ei é de Cora

e expressa o seu pensar, ei é de Cora

a janela da barroca, ei Vila Boa

Vila Boa de Goiás, ei é de Cora

é de Cora Coralina, é de Cora

é de Cora é de coral, é de Cora

ê-he-hei, é de Cora, é de Cora Coralina"

(Vila Boa)



tradições religiosas como a Romaria a Trindade,


"hoje é o dia, dia de peregrinação

hoje é o dia de partir para a cidade

pra cidade de Trindade

e o amor iniciado com o casal

Ana Rosa e Constantino encontrou o medalhão

na antiga Barro Preto, mais de trezentos carreiros

ah, carro de boi é tradição

ah, ah

carro de boi é tradição"

(Peregrinação)



até contos e causos, como a triste história do homem saracura abandonado por sua morena.


"essa morena não quer mais saber de mim

essa morena não quer mais saber de mim

olha a morena faceira que vem descendo a ladeira

quando ela passa na feira neguinho perde a estribeira

tremendo rabo de saia

na minha banca tomara, tomara que ela caia

...

oi dá pequi, dá pequi, dá pequi pro Brasil"

(Morena faceira e Homem saracura)



Cantam e dançam sobre a cultura popular brasileira, especialmente ao que diz respeito ao estado de Goiás, sobre as tradições, resgatando o interesse do público para o rico patrimônio cultural existente nas cirandas, rodas de côco e seu sapateado, maracatu e tantos outros ritmos brasileiros.



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2012.
Fim do mundo, nova era, início de um novo cíclo, ano exotérico.
Segundo os maias, transformação.

Segundo os Passarinhos, tempo lançamento de CD, mas não só. Também de profundo estudo e reflexão. Busca de novos conceitos, renovação cultural.
O que inclui, claro, figurino novo, especificamente a parte que me cabe.








Sabe aquela do português?

 
Um português e um africano vieram para o Brasil explorar o ouro e no caminho encontraram um índio. Sendo o homem um animal, e sendo da natureza animal o instinto de procriar, procriaram dando origem a cafuzos, mamelucos e cabolcos. Até aqui a escola ensina, mas a reflexão sobre os problemas psicológicos de toda essa mistura fica a cargo dos mais curiosos.
Novos homem. Homens com fortes crises existenciais, que não eram portugueses, nem índios, nem negros. Que ainda não sabiam que eram o POVO BRASILEIRO. Um povo que, com o fim da mineração se acostumou a vida rural se organizando em pequenas vilas de subsistência - que era o povo sertanejo. Que somos nós hoje em dia, vivendo em nossos bairros (embora totalmente diferente).

E o que isso tem a ver com o figurino do Passarinhos? Tem a ver que foi nos primeiros bairros que se organizaram as festas que temos hoje como tradição, onde esse novo povo brasileiro, com sua caldeirada de influências, começou a criar vínculos e desenvolver sua própria cultura.

             Imagine uma cena onde, ainda pequenas, crianças ajudam na construção de figurinos e objetos para uma grande festa na qual toda a cidade está envolvida. Recortando bandeirinhas, memorizando coreografias, aprendendo com os mais velhos o significado de cada detalhe daquela cerimônia. É algo que se vê cada vez menos, e quase inexiste nos grandes centros urbanos, salvo por grupos como os Passarinhos do Cerrado que tentam trazer para o público um pouco de suas raízes através de ritmos, letras e danças. Para tanto, o trabalho de pesquisa é de extrema importância, garantindo que o sentido das tradições não seja perdido e sua essência seja captada e interpretada com clareza. 

Durante minha pesquisa me deparei com o depoimento de um velho caboclo que disse que "o bairro é uma naçãozinha", que queria dizer que nos pequenos bairros se estabeleciam as relações comerciais, afetivas e culturais. E me levou a pensar que talvez por isso as festas tradicionais, hoje em dia, se concentrem em pequenas cidades do interior, onde ainda está vivo esse sentimento de vida em comunidade.
          

             São várias as manifestações da cultura popular que servem de inspiração para o desenvolvimento deste trabalho. Referências que vêm da época da minha própria infância, de imagens que foram se acumulando no subconsciente. Mas para aqueles que pouco conhecem as origens das festas populares, aqui vai um pouco de informação sobre as duas principais e os significados agregados através das roupas:

 A congada é um folguedo de origem afro-brasileira, em homenagem a São Benedito, que representa a luta entre o bem e o mal na visão cristã, através da encenação e de cantos. Em seus primórdios, a festa era uma ferramenta importante usada pelos jesuítas durante a catequisação dos mouros. Os dois grupos são diferenciados pela cor: o bem, que são os cristãos, usam trajes de cor azul; o mal, que são os mouros, usam cor vermelha e um lenço branco amarrado ao pescoço, que simboliza a paz que será firmada entre os dois grupos. Aqueles que representam os soldados utilizam capas coloridas, geralmente com estampas florais e chapéus decorados com penas e miçangas. Outro importante elemento no traje das congadas é o coração: cada congo utiliza o seu de uma maneira diferente, como broches, escapulários e adornando com miçangas, fitas, etc.


                   A imagem mostra uma típica congada de Nossa Senhora do Rosário, no Vale do Paraíba. 
                 (fotógrafo desconhecido)

   As Folias de Reis ou Reisado são outro tipo de festa folclórica, com origem portuguesa, de importante representação cultural. Trata-se de uma comemoração religiosa, onde um grupo de doze peregrinos com trajes especiais andam pelas ruas da cidade cantando versos comemorativos sobre a vinda do menino Jesus. Os principais personagens da festa são: Mestre, também chamado de Alferes da Folia em algumas regiões, que conduz o grupo e puxa os cantos. Ele é responsável por entrar nas casas das pessoas convidando-as a participar da festa e recebendo oferendas (como um café, por exemplo); os contra-mestres são aqueles que auxiliam os trabalhos do mestre, os três reis magos; Palhaços, quase sempre usando máscara, representam os soldados do rei e são responsáveis pela diversão através da dança e interações diversas com quem assiste a folia; e por fim os foliões, que vão a frente carregando bandeiras e protejendo os nobres. De acordo com as descrições dadas por Roberto Corrêa, mestre violeiro, em seu cd Sertão Ponteado, a indumentária é de extrema importância. 

      Folia de Reis da região do nordeste.  A frente, os foliões exibindo sua bandeira.
      (fotógrafo desconhecido)

  O Rei deve usar culotes finalizados com franja, blusa de cetim de manga longa adornadas com espelhos, galões dourados, uma capa dourada de cetim até a altura do joelho, e, como não poderia faltar, uma coroa. O Mestre usa chapéu de palha com uma aba bastante adornada por flores, espelhos, fitas, contas, etc. Usam saias até a altura dos joelhos também adornada por fitas e galões, blusa e uma capa. O Contra-mestre usa o mesmo traje, que deve ser ligeiramente mais discreto, assim como os foliões devem trazer os mesmos elementos porém, menos adornados que o Contra-mestre. O Palhaço pode usar calças remendadas, sapatos de couro, chapéu adornado com fitas, etc.







Design brasileiro aplicado ao figurino

             

Chita é um tipo de tecido com estampas coloridas e padronagens simples, geralmente com temática floral, aplicadas sobre morim. Chita é Brasil, mas veio da Índia. Chita era coisa de pobre, depois virou coisa de cult. Hoje, pra mim, chita é coisa pra gringo ver.

Exemplos de padrões de chita.



Nada contra coisa pra gringo ver. Mas se o objetivo for contribuir com a evolução da nossa "produção cultural" de um modo geral, como é o objetivo desse trabalho, é preciso fazer uma reflexão mais apurada e alçar vôos para além da saia de chita.

Reflexões a quem possa interessar:

              Bom e mau, feio e belo, certo e errado. Tudo varia de acordo com a cultura, dizem. Então, se considerarmos a cultura como produto das relações entre indivíduos e desses com seu meio, além de objetos e idéias produzidos através dessas relações, pode-se considerar o homem como criador de mundos artificiais, com suas características próprias. Mundos que refletem as peculiaridades de cada povo em diferentes épocas, regiões, estados de espírito. Simplificando, nas palavras do antropólogo Roberto daMatta, "cultura é precisamente um estilo, um modo e um jeito de fazer as coisas".
               O autor Renato Ortiz, em seu livro Cultura Brasileira e Identidade Nacional, aponta autores romancistas do início do século XX, como Gilberto Freyre, como responsáveis pela mudança paradigmática do conceito de nacionalidade. A partir da década de 1930 vários setores da produção intelectual pareciam convergir para dar uma "carteira de identidade para o brasileiro", na expressão do próprio Ortiz. Diante de tais fatos surgiram alguns questionamentos: como tradições herdadas de outros países poderiam ter se transformado em manifestações genuinamente nossas? Quais seriam os elementos que conferem brasilidade ao que produzimos? Existiriam tais elementos? Enfim, qual seria o jeito brasileiro de fazer as coisas.
               E não existe um único jeito, a cultura brasileira sempre foi uma mistura de várias formas completamente diferentes de fazer as coisas. Daí vem nossa criatividade, que aliada a um pensamento crítico é capaz de reinventar o design local. Diferentemente da cultura popular folclorizada, a cultura popular como identidade nacional está em constante transformação, sendo de grande importância o trabalho de acompanhar com atenção essas mudanças. Mais que isso, é importante que esses estudos possam ser refletidos na produção de artistas, artesãos e designers, criando uma ponte entre o tradicional e o contemporâneo.

Resumindo, que o trabalho de resgate da cultura popular seja muito mais que manter tradições. E que o contemporâneo seja muito mais uma descoberta do jeito brasileiro de fazer as coisas do que uma simples cópia da cultura alheia.



O ser humano é de fato um ser insatisfeito. São séculos de movimentos que se seguem renegando e resgatando idéias, transformando e ressignificando. Em um contexto pós Revolução Industrial, novas escolas como a Bauhaus e o movimento Arts & Crafts sugerem a valorização do trabalho manual em oposição a industrialização e a massificação.

"Vamos criar uma nova guilda de artesãos, sem a distinção de classes que ergue uma barreira arrogante entre o artesão e o artista"
(Walter Gropius - Manifesto Bauhaus)

Quase personificando esse ideal, Renato Imbroisi viaja pelo Brasil dando consultoria a grupos de artesãos buscando unir práticas tradicionais como bordado, cestaria, etc, ao design contemporâneo.

Fotografias feitas por Bob Toledo especialmente para o livro Desenho de Fibra – Artesanato têxtil no Brasil
Nas images, trabalhos desenvolvidos por artesãos sob a coordenação de Renato Imbroisi. 
No lado direito, são apresentados trabalhos em cestaria, com tramas feitas a partir ds palha de milho. 
No canto direito superior, vê-se um colorido rabalho de crochê. 
Abaixo, têm-se pontos de bordado feitos em tecido de algodão. 

No mundo, vários artistas e designers se perdem e se encontram na dualidade entre design e artesanato.

Mexican Jacket, 1989. Trabalho do artista Mario Rivoli feita a partir de restos de aviamentos 
e objetos encontrados. Camuflados em meio aos botões, fitas e linhas, com um olhar mais 
atento pode-se notar duas figuras humanas, retratando um casal vestindo 
trajes tipicamente mexicanos.